Há algum tempo sinto certo enfado ante os nossos importados símbolos natalinos: neve, velhinhos obesos que descem por estreitas chaminés, bonecos de neve, trenós e renas. É tudo muito falso para mim, caloroso e acalorado como a maioria dos brasileiros nesta época do ano (dou um desconto pro pessoal do sul.). Botar o sapatinho na janela, na melhor das hipóteses, só vai divertir um cachorro grande durante a noite.
“Papai Noel não se esquece de ninguém”, diz a canção. De certa forma, até acredito nisso, mas ele lembra com incrível precisão dos pedidos das crianças cujos pais tem maior poder aquisitivo; os pedidos das crianças que têm pais menos abastados ou sem-teto ele geralmente esquece, e quando leva alguma coisa (ele prefere mandar entregar, para evitar a lama das ruas sem calçamento depois das chuvas), esta coisa é uma “lembrancinha”. Chato é explicar isso para os pequeninos.
Lembro com a maior satisfação de um Natal em que, pela manhã olhei em baixo de minha cama e encontrei um presente do qual gostei muito (não lembro se foi exatamente o que pedi). Era uma caixa com vários carimbos, com aquarela para pintar as figuras carimbadas.
Lembro também, de outro Natal, quando caiu o mito; meus irmãos cruelmente me informaram que fui enganado todos aqueles anos: o tal do Papai Noel não existia; quem dava os presentes era meu pai, que na calada da noite alimentava-me a ilusão. Baita sacanagem!!!
Acho um saco andar pelas ruas cheias de gente e veículos disputando espaços, e entrar em lojas abarrotadas de pessoas em busca de presentes ou de enfeites para casa, muitas delas impacientes, mal-educadas, ou até mesmo agressivas, contrariando o bom espírito natalino de paz, amor, união e solidariedade entre os povos. Nos dias e noites de festa, comilança (tô nessa, não sou santo e não tenho problemas com a balança!) e bebedeira para muitos, barraco e vexame para outros. Tudo na maior paz e harmonia, já que também é época de perdão e no dia seguinte tudo será relevado.
Para compensar meu pouco entusiasmo natalino, procuro pedir a Deus atenção especial pelos meus companheiros de jornada terrena, não somente os meus familiares e amigos, mas principalmente aquelas pessoas que nunca vi, mas sei que existem em todas as partes do planeta, que passam privações morais e materiais, "permanentes" ou temporárias. Isso alivia meu coração e faz-me sentir útil. Aproveito e deixo esta sugestão para você. Se não for Deus o objeto de sua crença, peça ao cosmos, sei lá... a escolha é sua.
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Há alguns anos faço as minhas árvores de Natal: acho as que são vendidas nas lojas muito feias e sem identificação com a nossa terra (fora os enfeites que já mencionei), e comprei um presépio com personagens de louça, antigo sonho de consumo natalino. O presépio suscita-me a lembrança do verdadeiro motivo de se comemorar o Natal, algo meio esquecido pela humanidade. Papai Noel e o peru vêm sendo mais lembrados que o menino Jesus. Quanto às árvores, feias por feias prefiro as minhas, ainda que estilizadas, já que não dispenso este símbolo. Este ano, por absoluta falta de tempo aboli os cartões que vinha enviando pelo correio nos anos anteriores para pouquíssimas pessoas queridas, geralmente retribuindo os cartões recebidos; optei pelo e-mail ou telefone, sem culpa, já que o faço de coração.
Ah! Um Feliz Natal pra você, claro! (*) Licença poética: No centro do Rio de Janeiro, na Cinelândia, há alguns cartazes com a frase “Halloween é o cacete! Viva a cultura nacional!”, ou algo parecido. Só tomei emprestado o conceito.