10 de fev. de 2011

Vocação para o serviço público: para o que se faz, ou para o que deveria ser feito? (Parte II)

Esta postagem está relacionada à uma homônima, anterior. Mas se vc não quiser ir até lá, antes de mais nada cabe este registro:
Há raríssimas e heróicas exceções de servidores públicos que  atuam com a dignidade que deles se espera, dentre os quais incluo pessoas de meu relacionamento pessoal e que conheço bem, e pessoas estranhas das que já pude presenciar os serviços ou utilizar deles.


Fato 1

Há cerca de um mês sofri um pequeno acidente, e sem plano de saúde, dirigi-me a um dos bons (sem ironia) hospitais públicos cariocas. Fui até, de certo modo, pronta e rapidamente atendido, se comparado à experiências anteriores. Porém, se eu dependesse apenas da vontade dos funcionários de plantão, voltaria para casa sem atendimento: tive de usar de toda minha assertividade, além de exacerbar um pouco minhas expressões corporais, para driblar pessoas que preferiam estar fazendo qualquer outra coisa, menos estar trabalhando naquele domingo à tarde num hospital.

Depois de passar pelo guichê e fazer uma ficha, a orientação era dirigir-me à uma sala para triagem; nesta sala, quatro mulheres conversavam assuntos pessoais, e uma delas me perguntou o que eu sentia. Expliquei, ela ‘olhou’ e me disse:
- vá à sala de sutura.
Na sala de sutura, aguardei o atendimento de outras pessoas; na minha vez, um médico à paisana perguntou o que tinha havido; relatei, mostrei minhas escoriações e corte e falei de uma forte pancada no tornozelo, que me doía relamente bastante. Comentei, para diminuir a ‘distância’, que estranhei o hospital estar com pouco movimento, e o médico brincou, falando com um enfermeiro: - Você está achando ruim? Eu não! Vou até sair mais cedo hoje. Depois disso, educadamente sugeri e questionei a necessidade de antitetânica, de pontos –que não precisei- e de radiografia, e fui atendido nestes quesitos, inclusive tendo um dos ferimentos lavado com água e sabão após mostrar a ele minha preocupação com a possibilidade de haver ficado resíduos de amianto no ferimento. Terminado este atendimento, este médico me encaminhou para uma sala no lado oposto do saguão, onde eu seria atendido por um ortopedista. Seria. Como só havia eu ali, não aparecia ninguém e a porta do consultório não abria desde que eu me posicionei bem em frente, já fazia uns vinte minutos, perguntei a um funcionário:
- O ortopedista está aí?
Ele disse-me não ter ortopedista no hospital.
- Hã?! Fui à um dos vigilantes - já que o médico anterior havia deixado a sala de sutura - que confirmou a informação, e disse que só ambulatório, durante a semana, ou que eu fosse ao Miguel Couto (do outro lado da cidade). Perguntei:
- Mas aqui não é emergência, e este hospital não é referência em ortopedia; sempre fui atendido assim, aqui!?
Diante de minha insistência, ele cedeu:
- Você pode tentar na grande emergência.
- E como eu chego lá?...

Na grande emergência, muita gente em macas; e eu, mancando. Abordei o primeiro médico que vi, com algum receio, já que ele parecia aborrecido:
- O Sr. É ortopedista?
-Qual o problema?
Expliquei, e mencionei a pancada no pé, que doía muito etc. Como ele me vira mancando ao chegar, me perguntou:
– Você manca?
– Normalmente não.
– Um momento. (Escreveu num papel sobre o balcão e me encaminhou ao setor de raios-X.)

No setor de raios-x, outro guichê, onde três mulheres conversam. Vinte ou trinta minutos depois, sou chamado por uma delas, que realiza o exame. A meu favor o fato de ela descobrir, na minha ficha, que moramos na mesma rua. Papinho rápido, resultado idem, provavelmente facilitado pela vizinhança recém descoberta.

No retorno ao ortopedista, onde estava o médico? Nem as funcionárias que estavam na ‘ilha’ de atendimento sabiam. Um detalhe: Ninguém se prontifica a dar informações, é importante ressaltar. Se a gente quer saber algo nestes lugares, tem que arrancar a informação que deseja; com educação, claro; e, se possível, com simpatia. É a única maneira.
Depois de um tempo, o médico voltou e eu consegui mostrar-lhe os exames. Nada de fratura, ainda bem. Sou liberado por ele com uma receita de antiinflamatório, e deixo o hospital sem nenhum outro comprovante de que estive naquela unidade, já que na saída tenho de entregar a guia de atendimento. Do lado de fora, reencontro aquele primeiro médico, o da sutura, que me pergunta:  - Resolveu?
– Resolvi, obrigado!

Política da sobrevivência.


Fato 2

Hoje precisei resolver uma pendência num órgão da prefeitura carioca. Procuro informações no próprio site, na Internet, e descubro que posso começar a resolver a questão por ali mesmo, bastando para isso informar o número de registro. Poderia, mas embora ele exista, o número retorna um resultado “inexistente” (Realista, eu já esperava por isso!).
Busco no site os telefones do órgão, no meu bairro.
Quarta feira, 10h30min: nos três números discados ninguém atende, num tempo equivalente a dois minutos para cada um.
Recorro à ouvidoria, via Internet, para saber como proceder; a resposta vem rápida, da coordenação do órgão: dirija-se à inspetoria de sua região, endereço tal, telefones tais (os mesmos para os quais liguei sem sucesso).

No dia seguinte, vou à inspetoria regional. Chego por volta de 8:30 imaginando que abrisse as 9h, mas abriu somente às 10:05. (A espera foi na rua, já que o corredor do lugar não tinha ventilação e a temperatura ambiente estava insuportável. Quando reentrei no lugar, às 9:45, já haviam seis pessoas à minha frente.)
Curiosamente, já havia funcionários no setor às 8:30, o que percebi pelas vozes e iluminação por sobre as paredes. O interior da seção estava refrigerado, quando outros funcionários chegavam e entravam.

A porta foi finalmente aberta para atendimento ao público. Dois funcionários experientes atendiam (e muito bem, ressalte-se) as pessoas, e na minha vez, explicado o que eu pretendia, descobri que antes teria que ir à sede da prefeitura, para começar a resolver meu problema. Pois bem, saí da repartição e fui direto para a sede. Uma hora e pouca de viagem depois, ao chegar, descubro que os funcionários exatamente daquele setor estão em greve. Tempo e viagem perdidos.
Será que os funcionários da regional não sabiam da greve de seus pares da sede? Duvido, já que este tipo de informação circula rápido e muito bem. Mas esta informação não é repassada aos usuários dos serviços.


Em ambos os casos, é notória a falta de comunicação e de informação entre setores e funcionários de um mesmo órgão ou unidade. Esta desinformação é repassada aos usuários dos serviços, que sem a orientação adequada, não conseguem resolver seus problemas, muitos repassando sua indignação aos próprios servidores públicos (alguns até agressivamente, sob a constante ameaça de serem presos por desacato).

Tenho a ‘sorte’ de ser um pouco inteligente, razoavelmente culto e muito observador para perceber como atuar nestas situações e conseguir contornar algumas delas apenas utilizando estes meus ‘dons’, mas lamento profundamente por aquelas pessoas desprovidas destes recursos, que são jogadas de um lado para o outro, muitas vezes sem terem resolvido seus problemas; e lamento até por aquelas que ultrapassam os limites da indignação, porque desta forma será mais difícil ainda resolver seus problemas.


Isso vai mudar um dia? Não com as mesmas mentalidades e comportamentos.


Nota: não considerei as devidas iniciais maiúsculas de propósito.

2 comentários:

  1. O que você aprontou? Estava soltando pipa no telhado? Sinceramente, acho que você viveu uma tarde digna de um conto do Kafka.

    ResponderExcluir
  2. Estava num churrasco de família em Realengo; caiu um baita temporal, com direito a raios, trovões e muita tensão. Abrigávamo-nos da chuva sob um telhado, que por uma combinação de fatores, acabou caindo sobre parte das pessoas; eu, cunhado, irmã e sobrinha fomos atingidos, mas sem ferimentos graves, graças a Deus.
    É, realmente foi Kafkiana aquela tarde...

    ResponderExcluir

Obrigado por seu comentário. Concordando ou não com ele, provavelmente nos será útil, de alguma forma.