15 de nov. de 2007

Confissão

Já fui viciado. Em cola.

No Segundo Grau, hoje Ensino Médio, adquiri o vício, acho que por ter sido reprovado logo no primeiro ano. Sozinho ou em grupo, passei a colar em muitas provas. Embora estudasse no primeiro turno, freqüentemente ia dormir bem tarde, mesclando os filmes da Sessão de Gala com o preparo dos papeizinhos salvadores, escritos pacientemente com letras quase microscópicas. Contava ainda com o esquema da galera do lado esquerdo da sala, onde o mais bem preparado, sentado mais à frente, facilitava a obtenção das informações ao outro que estava mais próximo dele e, em um rápido zigue-zague a cola seguia para o fundo da sala.

Uma vez um professor viu cair uma cola voadora, não muito utilizada por nós, mas sem remetente e destinatário identificados, somente resultou num aumento da vigilância dele (e nossa, claro!). Em muitas ocasiões eu nem usava a cola, porque - paradoxalmente - sempre fui um bom aluno, estudava e prestava atenção às aulas. Além disso, o preparo dos tais papeizinhos acabava me ajudando a memorizar a matéria. Exceto nas provas de Matemática e de Análises Químicas, meus maiores fantasmas.

Certa ocasião usei um método que considerava muito arriscado, mas naquele dia não havia opção: consultar o caderno, guardado embaixo da carteira. A prova era de PQI - Processos Químicos Industriais. Disfarçava, enquanto o professor (um careca alto que não tinha o dedo indicador da mão e segurava o giz entre o polegar e o dedo médio) circulava pela sala, esperando ele parar para que eu pudesse fazer o serviço em segurança.

Ele não só parou de circular como se sentou em sua mesa, lá na frente. Tudo o que eu queria! Não perdi tempo e iniciei a consulta e as devidas anotações. Como bom viciado, entorpecido pela cola, não percebi que o homem havia levantado e, passando ao meu lado (eu já bem mais branco do que o habitual) simplesmente pegou minha prova - ele sem alarde e eu sem defesa - e continuou a circular pela sala. Recolhi minhas coisas e me mandei. Ninguém percebeu nada, mas comentei com os colegas mais chegados que estranharam minha rapidez em “terminar” a prova.

No intervalo, passei pelo professor, esbocei um sorriso amarelo e um “foi mal” sem palavras; ele respondeu um “melhor sorte da próxima” ou algo parecido, da mesma forma.

Na aula seguinte uma nota três, com a seguinte anotação no canto superior esquerdo da prova: “Tentando olhar o caderno!”. Achei que tinha ficado no lucro, já que não estava tentando - estava olhando mesmo - e aquela nota foi graças à cola.

Durante algum tempo, vangloriava-me disso. Hoje, enquanto andava na rua lembrei-me deste fato... E o quanto, sem perceber, aprendi alguns valores que considero importantes com aquele professor, o Ricardo: Respeito incondicional, autoridade moral, generosidade e honestidade.

Ele poderia ter me recriminado diante da turma, mostrando ser mais esperto que “a galera da cola”. Poderia ter dado zero em vez de três. Poderia alertar os outros professores para ficar de olho “naquele magrinho branquelo”. Mas não o fez.

Embora eu estivesse tentando enganá-lo, sua punição silenciosa mostrou-me que, no fundo, eu estava tentando enganar a mim mesmo.

Se hoje posso dizer que sou um tanto melhor do que já fui ontem, devo parte disso àquele professor.

AH! Uma "gabolice", como diz meu amigo Fagim: Anos depois, já me dei ao luxo de tirar nota baixa só por não precisar tirar nota alta...

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