Muitas pessoas são convidadas ao trabalho voluntário nas instituições religiosas, individual ou coletivamente, seja pela necessidade da instituição, seja pela necessidade do indivíduo. A prática da caridade, representada no trabalho no bem, que compreende tanto as mais humildes tarefas quanto aquelas mais complexas, é recomendada na Doutrina Espírita como o remédio capaz de sanar ou de atenuar as dores da alma. Mas alguns companheiros escolhem complicar a administração deste medicamento para si e/ou para os demais.
Após muitos anos na Doutrina, já recebi inúmeros desses convites ao trabalho (alguns dos quais foram aceitos, ao longo do tempo), e pude presenciar com satisfação companheiros - inclusive de fora da instituição espírita - que os receberam e deles não se esquivaram, comprometendo-se, antes de tudo, com o próprio progresso espiritual; mas já ouvi também relatos de pessoas que após convocações públicas para tarefas específicas , se ofereceram ao serviço, porém não foram direcionadas a essas tarefas, ou isso ocorreu apenas após uma longa espera. Fosse numa empresa privada, indagaríamos imediatamente qual a razão da oferta para vagas que não existem, mas em não se tratando de trabalho profissional e remunerado, sou levado a pensar que:
O convite é equivocado, já que na verdade não existem as tais “vagas” de trabalho; ou
Há algum impedimento por parte da pessoa convocada; ou
A chegada de um novo trabalhador na equipe possa representar algum tipo de ameaça ao coordenador do trabalho ou aos demais membros.
Em quaisquer dessas hipóteses, a reflexão de todos os envolvidos é necessária.
Se o convite foi equivocado, houve falha na comunicação. É preciso que os responsáveis por cada tarefa se manifestem e informem com clareza àqueles que serão responsáveis por divulgar a informação, a necessidade ou não de novos tarefeiros. Os divulgadores, por sua vez, precisam estar atentos ao que, a quem e o que irão informar, sob pena de criar expectativas errôneas em, por exemplo, uma pessoa que acaba de chegar ao centro espírita esperando acolhimento. Se esta pessoa apresenta-se para uma tarefa inexistente, não se sentirá acolhida e duvidará de toda a organização em si, e pode até mesmo decidir não continuar na instituição. Sim, essa pessoa tem o seu livre arbítrio, mas a alguém caberá a responsabilidade, neste caso, ao não acolhimento dela.
Se houver, da parte da pessoa convocada, algum impedimento, é preciso que isto também seja devidamente comunicado a ela; se tem limitações motoras impeditivas, ou se não possui o perfil adequado àquela tarefa, pode e deve ser respeitosamente informada disso, bem como ser apresentada a outras possíveis tarefas disponíveis. Lembremos aqui da responsabilidade que cabe àquele que realiza essa avaliação.
Se a chegada de um novo trabalhador incomoda ao coordenador ou ao grupo, é preciso que o motivo deste incômodo seja examinado, por cada um. Na área profissional, principalmente, um dos motivos é o medo da perda do cargo, das vantagens deste ou do status que ele representa. Outro motivo é a resistência às novas idéias que um novo membro do grupo possa trazer; a simples possibilidade da alteração de um modo de trabalho conhecido por outro não conhecido chega a ser assustadora para algumas pessoas, que vêem nisso uma verdadeira ameaça, representada na figura do companheiro que está acabando de chegar. Nestes dois casos, isso não passa de apego, seja ao cargo, seja ao modus operandi; e aprendemos na Doutrina que quanto mais nos apegarmos às coisas e às pessoas, maior dificuldade teremos para nos reajustarmos após o desencarne: daqui levaremos apenas nossos sentimentos e emoções relativos aos nosso atos. Além desses, outro motivo pode ser um justificado despreparo do novo colaborador para a função a desempenhar. Nesse caso, a questão é um pouco mais complexa, já que envolveria de uma das partes uma recusa, e da outra, uma aceitação, e isso deve ser comunicado com clareza, com embasamento e com respeito e cuidado, de modo a não gerar desavenças entre os envolvidos.
Cabe lembrar que Jesus Cristo pregava a humildade como uma das virtudes que devemos buscar se quisermos nos tornar “grandes” entre os homens; e os espíritos elevados, além de dizer o mesmo na vasta literatura espírita, afirmam que o egoísmo e a vaidade praticados na Terra são frequentes causas de queixas e sofrimento de muitos espíritos desencarnados.
Jesus sabia também da fraqueza de Judas diante do dinheiro, mas mesmo tendo autoridade moral e liderança sobre seus apóstolos, permitiu que este figurasse entre eles; a consequência das más escolhas de Judas diante da oportunidade recebida deveu-se apenas a ele próprio.
Na instituição espírita temos a oportunidade de aprendermos que podemos - e devemos - nos corrigir de nossas más tendências se quisermos encontrar equilíbrio espiritual e sanar nossas mazelas do passado distante ou recente. Além do estudo da doutrina, as tarefas voltadas ao bem nos são apresentadas como os medicamentos necessários à nossa jornada, e o que se espera de nós, trabalhadores espíritas é que, abrandados os nossos sofrimentos, espalhemos amor e paz - não somente através de nossas palavras, mas principalmente, por meio de nossas atitudes - para todas as criaturas, além dos muros do centro espírita. Não faz sentido desperdiçarmos esta oportunidade com um movimento contrário, insistindo em levar para dentro do ambiente espírita os nossos maus hábitos, comportamentos reprováveis que nos levaram, de algum modo, direta ou indiretamente, a ingressar nas tarefas corretivas do espírito.
Muitos dirão que somos espíritos imperfeitos, num mundo de provas e expiações, e que estamos sujeitos a ferir os outros e a nos ferirmos. Verdade, mas oremos e vigiemos para não passarmos toda uma vida terrena valendo-nos desta justificativa para continuar errando viciosa e voluntariamente. Em cada uma de nossas encarnações podemos reduzir nossas falhas recorrentes, seja nesta mesma existência, seja ao longo das existências passadas. A decisão de nos livrarmos de um mau hábito é nossa, e as consequências disso pertencem somente a nós mesmos. Caso falhemos e nos demos conta disso, o caminho mais curto para a reparação é reconhecer o erro, pedir desculpas a quem tenhamos feito mal e perdoar a nós mesmos, para que possamos seguir em frente, em paz. Então, se Jesus estivesse diante de nós, diria “Vá e não peques mais”.
(Se for reproduzir, por favor, faça-o na íntegra.)